Conheça o primeiro indígena a se tornar mestre em Música pela UFBA

 

Mestre e futuro doutor: esse é atual status acadêmico de Andeson Cleomar dos Santos, indígena Pankararu e primeiro de sua etnia a tornar-se mestre em música através do Programa de Pós-Graduação de Música (PPGMUS) da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia (EMUS / UFBA). Sua dissertação, intitulada “Sons, Torés e Toantes da Corrida do Imbu: reafirmação do Ser Indígena Pankararu”, é uma investigação do principal ritual da sua comunidade.

 

Natural de Pernambuco, Andeson, de 27 anos, concluiu a sua formação básica nas escolas indígenas de Pankararu. Depois de passar pelo Conservatório Pernambucano de Música e pela graduação na Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia, tornou-se, no último dia 05, mestre pela Escola de Música da UFBA. Seu currículo conta, ainda, com uma especialização em educação musical.

 

Ser Indígena - A herança cultural de Andeson é o eixo central que motiva e permeia toda a sua trajetória acadêmica e artística. Orientado pela Prof. Dra. Angela Lühning e movido pela necessidade de documentação dos traços que formam a identidade Pankararu, o pesquisador explora, em sua dissertação de mestrado, questões como território, elementos sonoros e contextos históricos como elementos essenciais para a existência cultural e espiritual se seu povo.

 

Corrida do Imbu – Principal ritual do povo Pankararu, a corrida do Imbu acontece entre o fim e o início de cada ano, e reúne todas as aldeias deste povo e também grupos de outras etnias. De acordo com a cosmologia Pankararu, os primeiros imbus (ou umbus, como também é conhecido o fruto) que aparecem no território são carregados de coisas malignas e, por isso, precisam ser flechados pelos Praiás, representações materiais do Encantado, de modo a proteger o povo. Pelos cinco fins de semana seguintes, duas danças ritualísticas marcam a passagem do tempo: aos sábados, os Praiás se reúnem às mulheres da comunidade para a Noite dos Passos, onde dançam os Torés; já aos domingos, acontece a Dança do Cansanção, onde se queimam com a urtiga da planta. Baseados na purificação, proteção e alegria, esses rituais marcam a importância da força encantada para os Pankararu.

 

“Pankararu tem uma riqueza cultural e espiritual enorme”, afirma Andeson. “Como pesquisador, tenho um cuidado muito grande com o registro de nossos conhecimentos ancestrais. Preocupa-me como as pessoas não-indígenas, ao ter acesso à nossa cultura, lidarão com nossos rituais e nossas histórias. É preciso saber como abordar, como chegar, e o que registrar ou não. Atuando como pesquisador, quero estar nesse papel de orientar um estudo e representação respeitosos”.

 

O pioneirismo de Andeson não se restringe às paredes da EMUS: embora cite, de memória, nomes como Cristiane Julião, Bartolomeu Santos e Maria das Dores de Oliveira como Pankararus precursores na carreira acadêmica, ele é o primeiro de seu povo a explorar a pesquisa através do campo musical. Nas palavras do próprio pesquisador: “Comparado à população Pankararu, que chega a cerca de 9 mil indígenas em nosso território, ainda somos poucos [na Academia]. Temos agora a movimentação de muitos parentes Pankararu adentrando as universidades, então espero — e essa é a ideia — que eles possam ocupar também a pós-graduação, nas mais diversas áreas”.

 

A valorização da diversidade cultural brasileira é um dos pilares que norteiam a Escola de Música da UFBA desde a sua criação, em 1954. O Programa de Pós-Graduação em Música (PPGMUS), que este ano celebra o seu 30º aniversário, é um dos programas pioneiros do Brasil, responsável pela formação de grande parte dos docentes e pesquisadores hoje espalhados nas mais diversas instituições de ensino superior do país.

 

De acordo com o Prof. Dr. José Maurício Brandão, diretor da EMUS, o pioneirismo do programa se deve “principalmente ao leque de pesquisas realizadas e à diversidade cultural de alunos das mais diversas origens. É, portanto, elo fundamental de conexão entre a academia e a comunidade, em um diálogo cultural cujos desdobramentos concorrem para a redução das desigualdades e consolidação da pluralidade da UFBA”.

 

Nas palavras da orientadora de Andeson, a Profa. Dra. Angela Lühning: “Esperamos que a presença dele seja um primeiro passo para que muitas outras pessoas possam acessar e assumir esse novo lugar de diálogo sobre e através da diversidade como expressão de um olhar decolonial, também na área da música, tão necessário.”

 

A trajetória de Andeson não termina aqui: aprovado em segundo lugar para o doutorado em etnomusicologia também na EMUS, ele dedicará os próximos quatro anos ao estudo das sonoridades do povo Pankararu, explorando a música ancestral (de cunho sagrado e ritualístico), a música tradicional (relacionada ao hibridismo com povos não-indígenas) e a música contemporânea (tanto a produção politicamente engajada quanto àquela voltada apenas ao entretenimento). “É uma investigação que tem como objetivo dar visibilidade aos povos indígenas”, afirma, “e a partir disso fomentar a discussão do nosso reconhecimento como povos originários do nosso território”.